A continuidade do processo de desinflação no Brasil, especialmente no que diz respeito ao arrefecimento da inflação global de bens industriais, pode garantir que o IPCA de 2024 fique mais próximo da meta de 3% e, assim, permitir uma taxa Selic abaixo dos 9%. Essa foi a visão de parte dos vencedores do prêmio “Top 5” do Banco Central em debate em torno da política monetária do Brasil. Houve, no entanto, uma ala dos participantes que se mostrou mais preocupada com os reflexos da condução da política monetária dos Estados Unidos no ambiente doméstico.
“Quando chegar em junho, a gente vai estar com a inflação projetada na meta para 2024. Nesse caso, a inflação de 2025 [no Focus] não vai estar em 3,5% e vai cair. Eu acho que a queda de preços relativos é fundamental e não acabou. Entendo que tem muita gente acha que a parte fácil da desinflação já acabou, mas eu acho que não”, disse Ázara.
Com a visão de uma inflação menor, o UBS BB também vê uma Selic de 8,5% no fim do ciclo, também inferior à observada no Focus, de 9%. “Acho que o maior juro possível é de 9,5%, então projeções de 9,75% e 10% não estão na mesa. Vemos uma desancoragem das expectativas de inflação. Há uma dúvida do mercado em relação à composição futura do BC, sobre quem será o novo presidente, e se o novo Copom será leniente, ou há um temor de uma piora fiscal parecida com a que houve no governo Dilma. Acho que as duas hipóteses estão erradas e, por isso, eu tenho 3% de inflação”, afirmou.
Já o superintendente executivo de macroeconomia do Banco Safra, Eduardo Yuki, disse que o custo de produção para as empresas americanas vêm exibindo melhora e a China deve seguir exportando deflação de bens para o resto do mundo. Além disso, ele cita os preços futuros das commodities estão negativamente inclinados; o real, que deve se manter bem comportado; e os preços de inflação no atacado brasileiro, que voltaram a cair, como fatores para um alívio maior na inflação.
“Faltaria então examinar a inflação pela ótica do mercado de trabalho. Os salários estão subindo, mas é preciso analisar o quanto eles sobem em relação à produtividade. O custo do trabalho não está exatamente baixo, mas está muito próximo ao observado entre os anos de 2017 a 2019. O custo unitário do trabalho não está apertado assim”, aponta. Nesse contexto, Yuki vê espaço para o Banco Central continuar reduzindo a Selic até 9% em 2024 e a 8,5% no ano que vem.
O economista-chefe da Mapfre Investimentos, Luis Afonso Lima, apontou que, do ponto de vista de longo prazo, a melhora expressiva do balanço de pagamentos brasileiro nos últimos anos é positiva para as taxas de juros. “Isso dá uma credibilidade à moeda que a gente não tinha há alguns anos. Isso reduz a volatilidade da taxa de câmbio a um nível surpreendente. O par real-dólar exibe hoje uma volatilidade menor que o dólar contra uma cesta de moedas. Essa redução da volatilidade ajuda a conter aumentos preventivos por parte de formadores de preços. Aumenta a eficiência da política monetária e reduz a inflação de longo prazo, com impactos na redução da taxa neutra no longo prazo.”
Por outro lado, Lima afirmou que vê pressões relacionadas a aumento de salários e isso pressiona setores intensivos em mão de obra. “Isso, para mim, explica um pouco o desajuste nos preços relativos, entre ‘tradables’ e ‘non tradables’. Estão no nível mais baixo desde o início do sistema de metas de inflação. Acho que o equilíbrio de preços de bens não transacionáveis vai continuar subindo. E isso talvez pressione a taxa de juro real de longo prazo”, afirmou.
Economista-chefe da Parcitas Investimentos, Vitor Martello avaliou, durante o painel, que a situação da economia dos EUA levanta um debate sobre a discussão de juro neutro americano, que pode impedir uma Selic menor no Brasil.
“Quando a gente pega o que está na expectativa dos agentes, de Selic a 9%, contrasta com o que está na curva americana, embutindo um prêmio de risco-país e as diferenças nas metas de inflação, a gente não vê espaço para cortes até 9%. Vemos 9,5%, com viés altista, justamente por causa desse ambiente de revisão de juro neutro americano para cima e inflação corrente de serviços mais próxima do teto do que do centro da meta. Vemos necessidade de cautela e de aperto monetário por parte do BC”, afirmou.
Para o diretor de pesquisa econômica da Pezco, Helcio Takeda, diante do contexto de oferta e demanda encontrando um novo ponto de equilíbrio após os choques da pandemia, o Brasil também vem testando novos níveis mais baixos de inflação, com a meta de 3%. “Dadas as incertezas, parece que cautela é recomendável. Nossa expectativa é que o BC tem espaço para continuar reduzindo a taxa de juros, mas não muito em relação aos níveis atuais. Talvez seja prudente fazer uma interrupção no ciclo e, se for o caso, retomá-lo mais tarde. Um ciclo em dois estágios. No caso da inflação, não temos certeza de que essa convergência pode ir muito além do que já tem acontecido”, disse Takeda.