06/03/24
Trabalhadores terceirizados com jornadas diárias de mais de 12 horas, sem folga semanal; ausência de pessoas com deficiência (PCD) no quadro de funcionários, apesar da obrigatoriedade prevista em lei; inexistência de medidas de prevenção ao assédio sexual e a outros tipos de violência no ambiente de trabalho.
Essas são algumas das nove autuações recebidas pela Fundação Bienal de São Paulo após uma inspeção realizada por auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE).
A operação teve início depois da publicação de um manifesto coletivo, assinado por orientadores e monitores da Bienal, em outubro do ano passado. No documento, amplamente repercutido na mídia e nas redes sociais, os trabalhadores elencavam uma série de denúncias, como falta de locais para descanso e desconforto pelo excesso de calor, além de relatos sobre assédio moral e sexual.
A Repórter Brasil procurou a assessoria de imprensa da Bienal, mas não obteve resposta sobre as autuações recebidas até o fechamento desta reportagem. O texto será atualizado, se o posicionamento for enviado.
‘Práticas não alinhadas com política de inclusão’
Durante a fiscalização, os auditores constataram que parte dos problemas denunciados já havia sido solucionada pela Bienal, como a instalação de ventiladores e bancos para descanso dos trabalhadores, e o oferecimento de refeições a preços acessíveis, condizentes com o valor do vale-refeição.
No entanto, os fiscais do trabalho constataram que, apesar da ampla divulgação de uma política de inclusão adotada pela 35a Bienal no ano passado, a instituição não cumpre a cota de Pessoas com Deficiência.
Prevista na Lei de Cotas de 1991, a política deve ser cumprida por empresas com mais de 100 funcionários, caso da Bienal. No entanto, a instituição não tinha, no momento da fiscalização, nenhum PCD no seu quadro de trabalhadores. O mesmo ocorreu com a contratação obrigatória de jovem aprendiz.
“Resumidamente, as irregularidades trabalhistas encontradas no curso da fiscalização não estão em consonância com uma ampla política de inclusão, como noticiado pela 35 Bienal de São Paulo”, afirmou um auditor fiscal do trabalho à Repórter Brasil.
Também não foram identificados mecanismos adequados conforme a lei de prevenção ao assédio sexual e outras violências no âmbito do trabalho, conforme previsão de normas de segurança do trabalho.
Além disso, ao menos 84 trabalhadores terceirizados – responsáveis basicamente pela segurança e limpeza do pavilhão da Bienal – atuavam sem registro. Alguns não contavam com o atestado de saúde ocupacional.
Jornadas superiores a 12 horas diárias, sem descanso semanal, também foram registradas na inspeção.
“Encontramos até uma folha de ponto fraudada”, conta um auditor fiscal. Ainda que opte pela terceirização, a Bienal é responsável por garantir a saúde e segurança dos trabalhadores, algo que, de acordo com os auditores fiscais do trabalho, não teria ocorrido.
O relatório da fiscalização sustenta ainda que um passivo trabalhista de horas extras e impostos não recolhidos. “A Bienal se utilizou de mecanismos de renúncia fiscal para alimentar a economia informal, o assédio e a violência no trabalho com uma suposta prática de inclusão”, afirma.
A Bienal é uma instituição privada, mas também conta com recursos públicos advindos de programas de incentivo à cultura. Entre 2019 e 2021, a instituição recebeu R$ 99 milhões oriundos de programas de incentivo à cultura e outros mecanismos de financiamento público. O valor é quase cinco vezes mais que os recursos privados, de acordo com o relatório de gestão de 2021, o mais recente publicado no site da fundação.
O uso de recursos públicos pela instituição motivou o envio dos autos para que outros órgãos verifiquem possíveis desdobramentos, de acordo com um auditor fiscal do trabalho.
Ausência de mecanismos de prevenção
A fiscalização apontou em uma das autuações a ausência de mecanismos de prevenção ao assédio e outras formas de violência, o que resulta em insegurança para os trabalhadores quanto aos procedimentos de apuração e à possibilidade de sofrerem retaliações no ambiente de trabalho.
Na época da publicação do manifesto, a Repórter Brasil visitou a Bienal e conversou com alguns dos membros da equipe de orientação da Bienal. Eles relataram à reportagem uma rotina extenuante, além de episódios frequentes de assédio moral e mais de um caso de importunação sexual. Os funcionários destacaram a falta de providências tomadas pela organização.
Ainda em outubro, a reportagem entrou em contato com a Fundação Bienal de São Paulo para esclarecimentos sobre as denúncias. A empresa afirmou que foi feita uma reunião com os orientadores e mediadores e que se mantinha “em diálogo com seus trabalhadores”.