Aos 23 anos, o influenciador Gustavo Foganoli conta que passou os últimos nove fumando cigarro eletrônico. O vício nos vapes, como também são chamados, chegou a um nível em que ele acordava no meio da noite para dar umas tragadas e voltar a dormir. Foi quando percebeu que a situação havia saído de controle e decidiu tentar parar. Ele é o retrato da febre que esses dispositivos viraram entre os jovens no Brasil nos últimos anos.
Um dos pontos da agência é, justamente, o acesso facilitado dos jovens à nicotina. Foi o caso do influenciado, que começou a fumar vape oas 14 anos durante um curso nos Estados Unidos. Ele já tinha fumado cigarro comum antes, mas percebeu um descontrole com a versão eletrônica.
🚨 A nicotina é uma substância altamente viciante e, segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), não há quantidade segura para o consumo. É por causa dela que as pessoas ficam viciadas no cigarro e é um dos pontos centrais da discussão dos vapes.
O que os órgãos de saúde e entidades alegam é que, com o cheiro e gosto agradáveis, elas não passam a percepção de risco do cigarro e nem de conterem nicotina. Um dos pontos levantados pela Anvisa é que a forma como os dispositivos são divulgados confunde a percepção de que têm nicotina e que são viciantes.
Um dos argumentos da indústria é de que os vapes podem ser usados como “redução de danos”, ou seja, uma alternativa para quem quer parar de fumar. Apesar disso, a quantidade de nicotina é um dos pontos que põe em xeque a promessa.
🚬 O cigarro comum tem 1 mg de nicotina por unidade. A carga do cigarro eletrônico tem cerca de 50 mg – isso porque há marcas no mercado com volume até maior. Ou seja, se a pessoa fuma uma carga por dia, ela está fumando o que corresponde a 50 cigarros.
Foganoli diz que não saia de casa sem o vape, até mesmo se precisava ir à portaria do prédio, um caminho de cerca de um minuto, mas só se deu conta do vício quando notou que estava acordando de madrugada para fumar.
Ao monitorar o próprio sono, ele percebeu em uma das gravações que, de fato, estava fumando ao longo da noite. (Veja o vídeo no início da reportagem.)
“Eu nunca contei e nunca deixei vazar porque eu tinha medo de que alguém visse e fosse influenciado por aquilo. Eu usava, mas sabia que fazia mal, era uma questão de não saber como parar, de não conseguir. Eu poderia esconder e passar por esse processo sozinho? Sim, mas muitos outros da minha idade também estavam usando aquilo e eu não queria que isso continuasse”, conta.
Ele abriu a #semnicotina onde compartilha o seu dia a dia tentando parar de fumar e foi seguido por outros influenciadores, todos com menos de 25 anos, que também admitiram o vício e decidiram parar de fumar.
No processo, uma de suas amigas, Fernanda Schneider, atriz e influenciadora, foi forçada a parar de fumar. Ela diz que fuma desde os 15 anos e que começou com o cigarro eletrônico.
Em um vídeo compartilhado com seus mais de 17 milhões de seguidores, Fernanda conta que teve dores no peito e dificuldade para respirar e precisou ser hospitalizada. O diagnóstico? Uma inflamação na membrana pulmonar causada pelo cigarro eletrônico.
Foganoli realta que o processo para parar tem sido difícil, mas que, com acompanhamento médico, está se mantendo longe da nicotina.
“São nove anos fumando, não é fácil. Nos primeiros dias, eu tive crise de abstinência, tremores, mas eu vou continuar nesse processo. Se eu puder deixar alguma mensagem a quem, assim como eu, usa isso, é: ‘pare agora, enquanto ainda dá tempo. E os demais, fiquem bem longe disso’”, diz.
O uso do cigarro eletrônico entre os mais jovens é uma preocupação da Anvisa, médicos e pesquisadores por serem mais suscetíveis ao vício.
Para os especialistas, o apelo de cheiros, cores e sabores é o que chama atenção dos mais jovens. Segundo dados da pesquisa Vigitel, 60% das pessoas entrevistadas (de um universo de 52 mil) disseram que usavam vapes e que nunca tinham fumado antes do contato com o dispositivo. A maioria tinha até 24 anos.
A presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Margareth Dalcolmo, conta que tem recebido pais que não sabem como ajudar os filhos viciados em cigarros eletrônicos.
Nos Estados Unidos, quando houve o boom de mortes por doenças relacionadas aos vapes, em 2019, com mais de 52 mortos, o Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, em inglês) informou que a maioria das vítimas era adolescente.
O Reino Unido quer proibir os cigarros eletrônicos para as pessoas nascidas até 2008, ou seja, com menos de 16 anos, para tentar evitar a crescente de jovens fumantes.
“Precisamos frear o acesso a esses dispositivos para não criarmos uma geração de dependentes de nicotina. O vape é prejudicial tanto quanto o cigarro comum. Nossos jovens estão usando isso achando que é uma fumacinha com gosto, mas é altamente tóxico”, explica André Szklo, epidemiologista especialista em controle do tabaco do Instituto Nacional do Câncer.