A maioria das pessoas consegue visualizar imagens na cabeça — o aspecto de uma maçã, a aparência de sua cozinha ou o sorriso do seu melhor amigo —, mas nem todos.
Eles também são menos propensos a reconhecer rostos, a lembrar o som de uma música ou o barulho de uma lixa, e mais propensos a trabalhar nas áreas de ciências, matemática ou informática.
👉 Não se trata de um distúrbio e não significa falta de imaginação, mas pode ter efeitos sutis no cotidiano, diz o professor Adam Zeman, professor honorário de neurologia da Universidade de Exeter, que criou o termo há quase 10 anos.
A britânica Mary Wathen, 43 anos, acha “alucinante” que outras pessoas possam criar imagens em suas cabeças.
Mary não consegue visualizar eventos importantes em sua vida, como o dia de seu casamento. E a menos que eles estejam com ela, Mary também não consegue trazer à mente a imagem de seus dois filhos.
“Não vem uma imagem — tenho todas as memórias, apenas me lembro delas de forma muito diferente”, diz Mary.
Mary descobriu que era diferente da maioria das outras pessoas quando conversava com amigos.
Ela se surpreendeu ao descobrir que seu marido conseguia facilmente visualizar eventos passados, como se estivesse assistindo a um filme.
O lado positivo, diz, é que ela é uma ótima comunicadora verbal, porque não supõe nada — o que importa são as palavras. Ela também sente as coisas profundamente.
Mapas mentais nunca foram uma ferramenta útil para exames, por exemplo, e ficção fantástica não funciona, pois ela não consegue acessar esse universo em sua mente.
“Eu só vejo o que é real e está na minha frente — não importa se vi há um minuto ou há uma hora”, diz Mary.
O professor Zeman descobriu essa forma de vivenciar o mundo quando atendeu um paciente que havia perdido a capacidade de visualizar.
Quando ele escreveu sobre o caso do paciente, outras pessoas entraram em contato para dizer que sempre tinham vivido assim.
Desde então, Zeman descobriu que existe um extremo oposto, a hiperfantasia, em que as pessoas veem imagens tão vivas em suas cabeças que não conseguem dizer se são reais ou imaginadas. Estima-se que 3% de nós vemos o mundo assim.
O professor Zeman diz que 17 mil pessoas entraram em contato com ele na última década relatando experiências de afantasia e hiperfantasia.
Muitos disseram que sabiam que processavam as informações de maneira diferente das outras pessoas, mas não conseguiam descrever como.
🧠🧠🧠 Diferenças na conectividade entre regiões do cérebro podem explicar o motivo, diz o professor Zeman.
Quando solicitadas a imaginar uma maçã, por exemplo, a maioria das pessoas passa por uma sucessão de etapas, incluindo “provocar” o cérebro para lembrar a aparência de uma maçã e ativar o cérebro para criar uma imagem dela.
Mas naqueles com afantasia esse processo pode falhar em alguma das etapas.
“Os pensamentos seguem sendo pensamentos”, diz Zeman, “enquanto para outros, o pensamento se traduz em termos sensoriais”.
Mas, curiosamente, muitos afantásicos conseguem visualizar imagens enquanto sonham – provavelmente por ser uma tarefa mais espontânea, que começa nas profundezas do cérebro, diz Zeman.
E a afantasia pode trazer benefícios. Pode ter um efeito protetor para a saúde mental, porque é mais provável que quem tenha aphantasia viva o momento e seja menos propenso a imaginar eventos assustadores ou estressantes, por exemplo.
São os hiperfantásicos como Geraldine van Heemstra, no entanto, que normalmente têm maior probabilidade de serem criativos.
Geraldine, artista, sempre teve uma “imaginação gigante” quando criança, construindo “cidades inteiras” em sua cabeça.
E ela sempre viu o alfabeto em cores, assim como os números e os dias da semana.
Na escola, Geraldine costumava mudar as respostas dos problemas de matemática porque as cores dos números em sua cabeça pareciam erradas quando colocadas lado a lado.
Mas ela descobriu que via o mundo de maneira diferente da maioria das outras pessoas apenas ao colaborar com músicos e dançarinos, pintando redemoinhos e formas em resposta aos seus ritmos.
“Lembro-me de perguntar aos músicos como eles viam a música — mas eles não entendiam o que eu queria dizer”, diz Geraldine.
Geraldine tem uma experiência igualmente intensa ao pintar. “Posso caminhar, desenhar, contemplar a paisagem e reviver a experiência depois”, diz ela.
Mesmo planejando fazer alguma coisa, Geraldine se sente transportada para o futuro. “Posso estar indo por outro caminho e será como um déjà vu”, diz ela.
Mas a visualização constante também pode ser cansativa. E o cérebro de Geraldine às vezes pode ficar sobrecarregado, dificultando o sono.
Os dados de grandes bancos de informações biológicas podem fornecer a resposta.
A revisão, publicada na Trends in Cognitive Sciences, descobriu que a afantasia ocorre em famílias, sendo que os irmãos dos afantasicos têm 10 vezes mais probabilidade de serem também afetados.
Também foi cogitado que os afantásicos têm maior probabilidade de ter autismo.
O professor Zeman diz que a pesquisa sugere que “as imagens sensoriais conscientes não são um pré-requisito para a cognição humana” — ou imaginação criativa.