Desde a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), a frequência de reuniões do chefe do Banco Central, Roberto Campos Neto, com a cúpula do governo federal caiu pela metade. Com o retorno do petista ao poder, parte do relacionamento com o Executivo tem sido praticada pela Diretoria de Política Monetária da autarquia. Quem ocupa o cargo é o economista Gabriel Galípolo, cotado para substituir Campos Neto, cujo mandato acaba em 31 de dezembro deste ano.
Durante a gestão Jair Bolsonaro (PL), Campos Neto se reunia com membros do governo, em média, uma vez a cada cinco dias. No governo Lula, essa frequência caiu para uma reunião a cada 11 dias, segundo levantamento realizado pela Folha até o fim de março deste ano com base na agenda dos economistas publicada no site do Banco Central.
A atual agenda do presidente do BC se assemelha à de Galípolo. Desde que deixou a Secretaria-Executiva do Ministério da Fazenda e assumiu a Diretoria de Política Monetária, em julho de 2023, Galípolo tem se reunido com a cúpula do governo federal uma vez a cada 12 dias em média.
O acesso de Campos Neto e Galípolo a Lula também é o mesmo. Ambos o encontraram, oficialmente, duas vezes.
O BC não revela os detalhes das reuniões, mas interlocutores de Galípolo afirmam que, em parte dos encontros, ele tratou da greve dos servidores do BC e de questões relacionadas ao Pix.
Além disso, a frequência de encontros entre Galípolo e o governo pode ser fruto do ineditismo na formação atual do comando da instituição, já que esta é a primeira vez na história em que o diretor de Política Monetária foi indicado pelo atual governo, enquanto o presidente do BC foi indicado pelo governo anterior. Com isso, Galípolo teria um diálogo mais fluido do que Campos Neto, que tem sido alvo de críticas de Lula pelos juros de dois dígitos.
Galípolo foi presidente do banco de investimentos Fator de 2017 a 2021 e se notabilizou como um dos conselheiros econômicos de Lula quando participou da campanha presidencial do petista.
Seu nome começou a ganhar repercussão no mercado financeiro e no meio político em abril de 2022, quando Gleisi Hoffmann, a presidente do PT, o convidou para a um jantar na casa de João Camargo, do grupo Esfera, na presença de nomes de peso do empresariado brasileiro, como Abilio Diniz (Península) e Flávio Rocha (Riachuelo).
A partir dali, ele participaria de dezenas de outros eventos e reuniões com executivos nas quais foi recebido como uma espécie de porta-voz econômico do então candidato à Presidência.
Com a proximidade da eleição, Galípolo assumiu postura mais proativa na campanha, passando, ele próprio, a mediar eventos em defesa da chapa Lula-Alckmin para tentar atrair o voto de setores tradicionalmente mais resistentes ao PT no empresariado e no mercado financeiro.
Ao mesmo tempo, também ganhou a confiança do hoje ministro da Fazenda, Fernando Haddad, ao participar da coordenação de seu plano de governo na disputa pelo estado de São Paulo, da qual o ex-prefeito saiu derrotado.
Após a eleição, ele participou da equipe de transição e chegou a ser cotado para assumir o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), que acabou ficando com Aloizio Mercadante.
Mas a aproximação de Galípolo a Lula é anterior. O enlace entre os dois teria acontecido em uma reunião virtual para a qual Lula o convidou, por sugestão de um amigo em comum, ainda na pandemia, em 2021. No mesmo ano, ele marcou presença no Natal dos catadores, ao qual Lula sempre comparece.
No palco do evento, o petista notou o prestígio e retribuiu: “Aqui hoje a gente tem um banqueiro que já não é mais banqueiro e está do nosso lado nessa briga para reconstruir a democracia”. Ele, no entanto, não citou o nome de Galípolo, aumentando o mistério sobre a sua identidade, que ainda era tratada com reserva àquela altura.
Antes de cair nas graças do político, Galípolo teve como sócio e mentor o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, amigo de Lula desde os anos 1970 e seu conselheiro econômico histórico. Belluzzo, inclusive, chegou a ser considerado para substituir Henrique Meirelles em 2008 no BC, mas a troca não foi adiante.
Depois de deixar o Ministério da Fazenda, Galípolo ainda frequenta eventos petistas. Embora não tenha ido à celebração dos 44 anos do PT em Brasília, nos últimos meses ele foi aos aniversários do ex-ministro José Dirceu e do ministro Paulo Pimenta (Secom).
Se nomeado à presidência do BC, essa proximidade com o governo pode colocá-lo em situação semelhante à que Campos Neto enfrenta por seus laços com a gestão Jair Bolsonaro.
Em uma série de ataques ao atual chefe da instituição, Gleisi Hoffmann o chamou de bolsonarista e disse que “ele não demonstrou sua autonomia, sua independência política”.
Acesso de diretor ao Executivo divide opiniões
A atual agenda do BC com o governo divide opiniões de ex-membros da instituição. Para Alexandre Schwartsman, ex-diretor de Assuntos Internacionais da autarquia de 2003 a 2006, a proximidade do diretor de Política Monetária ao presidente da República pode ser inadequada.
“Na minha época, só o presidente do BC se reunia [com o governo]. Não tinha essa de diretor falar com ministro ou presidente da República. Não é natural, para não dizer inapropriado. Não me parece uma postura adequada para diretor de BC, especialmente nesses tempos de autonomia. Enfraquece a instituição”, diz o economista.
Em fevereiro de 2021, entrou em vigor a autonomia do Banco Central com o argumento de blindar a instituição de interferências políticas. A regra determina que a instituição não é vinculada ao governo federal, sem subordinação hierárquica e com autonomia técnica, operacional, administrativa e financeira.
A lei também estabeleceu que o presidente da autarquia perde o status de ministro e passa a ter um mandato de quatro anos, que se encerra no meio do mandato do presidente da República.
Assim, Campos Neto fica no cargo até o fim do ano, sendo substituído por quem Lula indicar. Antes da autonomia, o presidente da República podia trocar o presidente da instituição quando quisesse, sem necessidade de aval do Senado, como é hoje.
Para Arminio Fraga, que foi presidente do BC de 1999 a 2002, a lei da autonomia é apenas uma das defesas que estabelecem limites ao que pode ser feito na instituição.
“Tem uma lei, e isso, por si só, já é importante. Mas há outras [defesas]. Se alguém chega lá e começa a ter uma atuação politizada, que tipicamente significa afrouxar indevidamente [a política monetária], o mercado vai reagir na hora. Isso vai introduzir prêmios de risco e vai ser um problema. E tem a própria inflação. Se o Banco Central errar e a inflação subir, politicamente, é um suicídio, porque as pessoas gostam da vida sem inflação”, diz Fraga.
Para Luiz Fernando Figueiredo, que também foi membro da diretoria do BC de 1999 a 2003, apesar de Galípolo não ser um especialista em política monetária, ele “está aprendendo muito sobre o que é ser um central banker” e tem demonstrado postura técnica.
“Eu não acredito que alguém que vá para essa posição de diretor vai ter uma atitude ideológica e não técnica. Ele acompanhou todas as decisões do Copom. Hoje, ele é um diretor como os outros são”, diz Figueiredo.
Desde que assumiu o posto, Galípolo votou pelos cortes efetivamente aplicados na Selic, assim como Campos Neto.
Procurado pela reportagem, o BC disse que os integrantes de sua diretoria colegiada tratam de temas institucionais com representantes da equipe econômica do governo federal.
“O relacionamento do BC com o governo é realizado por meio de diferentes níveis gerenciais da instituição, de acordo com o tema a ser tratado e as atribuições regimentais dos interlocutores”, disse a autarquia por meio de sua assessoria de imprensa.
Colaborou Cristiano Martins