Quem vê a jornalista, escritora e roteirista Thalita Rebouças, de 50 anos, distribuindo autógrafos e sorrisos nas bienais da vida não imagina os apuros que ela já viveu. Por não ter tido filhos, cansou de ouvir: “Quem vai cuidar de você na velhice?”. Em apenas dois anos, perdeu pai, avó e o melhor amigo; e, antes de encontrar o atual marido, o psicólogo Renato Caminha, tolerou atitudes intoleráveis de dois ex-namorados tóxicos.
“Sou otimista por natureza. Sempre fui. Sou dessas que acreditam que tudo pode dar certo, que as coisas podem sempre melhorar”, filosofa a autora de Felicidade inegociável e outras rimas (Harper Collins), seu 27º livro. “Sempre procurei ver a beleza das coisas, sabe? Do voo da borboleta ao nascer do sol. O que é bonito para os outros é extraordinário para mim. Acho que o nome disso é otimismo”.
Sempre às voltas com mil projetos nas áreas de literatura, teatro, cinema e streaming, Thalita Rebouças não fez o curso Ciência da Felicidade, que existe desde 2018 na Universidade de Bristol, na Inglaterra. Não fez, mas, se tivesse feito, teria sido uma das primeiras da turma. Afinal, uma das lições ensinadas pelo professor do curso, o psicólogo canadense Bruce Hood, é a capacidade de enxergar o lado bom das coisas.
“Felicidade é algo difícil de explicar. Pode significar diferentes coisas para diferentes pessoas. Não bastasse, ainda pode ser construída de diferentes maneiras”, afirma o autor do recém-lançado The Science of Happiness – Seven Lessons for Living Well (ainda indisponível no Brasil). “Veja o meu caso: tive uma infância terrível. Daquelas que arruinariam a vida de qualquer um. Mas, na fase adulta, resolvi mudar. Descobri que posso ser feliz apenas mudando o jeito como enfrento meus problemas”.
A ideia de criar o curso, conta Hood, surgiu depois de uma onda de suicídios que assustou a universidade. As aulas são elaboradas a partir de trabalhos de psicologia e neurociência, como um estudo da Universidade Harvard, nos Estados Unidos, que iniciou em 1938 o monitoramento da saúde de 724 voluntários. Desses, apenas 60, a maioria na casa dos 90 anos, estão vivos para participar da pesquisa. Um dos segredos da felicidade, concluíram os pesquisadores desse trabalho, é fazer amigos.
Mas não basta responder à chamada; é preciso fazer o “dever de casa”. É o que indica outro estudo, feito pela própria Universidade de Bristol. Dos 905 inscritos no curso, 228 aceitaram preencher um questionário. Entre outros achados, a pesquisa, publicada na revista científica Higher Education, revelou uma melhora de até 15% nos índices de bem-estar dos alunos, que ainda praticavam o que tinham aprendido em sala de aula dois anos depois de terminado o curso.
E o que eles aprenderam em sala de aula? Bem, ser otimista é apenas um dos aprendizados. Há pelo menos outros seis: dormir bem, fazer amigos, dar presentes, curtir a natureza, praticar a gentileza e demonstrar gratidão.
“Gratidão virou algo cafona, fora de moda, mas procuro agradecer por tudo que acontece na minha vida”, prossegue Thalita. “Literatura, para mim, não é hobby; é ganha-pão. Sou escritora e vivo de contar histórias. Tenho ou não tenho motivos para agradecer?”. Em 25 anos de carreira, a autora de Fala Sério, Mãe! já foi traduzida para mais de 20 países e vendeu cerca de 2,3 milhões de exemplares.
Outros estudos dão conta de que pessoas felizes rendem mais. São, em média, 31% mais produtivas. Mais do que isso: são três vezes mais criativas e sofrem menos acidentes de trabalho. O impacto também é notado na saúde. Uma revisão de mais de 160 estudos realizada pela Universidade de Illinois confirma que pessoas felizes tendem a viver mais e melhor. Segundo pesquisa coordenada pelo psicólogo Edward Diener (1946-2021), ansiosos, deprimidos e pessimistas vivem menos e adoecem mais.
O que é felicidade?
Bruce Hood não é o primeiro a transformar a felicidade em tema de curso acadêmico. Antes dele, Laurie Santos, ex-aluna de Harvard, criou uma disciplina semelhante, A Ciência do Bem-Estar, na Universidade Yale. O sucesso foi tanto que ela precisou elaborar um spin-off para adolescentes. Para Laurie, felicidade é uma disciplina que, a exemplo de outras do currículo escolar, pode ser ensinada e aprendida. Como Matemática, Física ou Química.
“Sim, é possível aprender a ser feliz. Mas é uma habilidade que requer esforço e prática”, avisa. “Só precisamos tomar alguns cuidados: não dá para ser feliz o tempo todo ou para sempre. Se você acredita nisso, as chances de ficar frustrado são grandes. Ser professora de felicidade não me impede de sentir tristeza de vez em quando. Ajudar os outros a serem felizes, porém, dá sentido à minha vida e contribui para o meu bem-estar”.
Mas, afinal, o que é felicidade? A resposta é… depende. O conceito, segundo historiadores, mudou ao longo dos séculos. Para os gregos, era uma virtude. Para os romanos, um prazer. Para os cristãos, a salvação. Para os iluministas, um direito. E assim por diante. Para Tal Ben-Shahar, fundador da Happiness Studies Academy, com sede em Nova York, é a combinação de cinco elementos: bem-estar físico, emocional, intelectual, relacional e espiritual.
“Ser feliz não é tão fácil quanto parece. Uma coisa é saber o que você precisa fazer para ser feliz. Outra, completamente diferente, é conseguir fazer o que precisa ser feito”, teoriza Ben-Shahar, que compara o ato de ser feliz à prática da musculação. “Sou mais feliz hoje do que era há 30 anos, quando comecei a estudar esse assunto. E espero ser mais feliz daqui a dez anos do que sou hoje. Ser feliz não é o destino, é a viagem”.
O psicólogo e escritor Rossandro Klinjey, autor de Vamos Conversar Sobre a Felicidade? (Papirus 7 Mares), segue caminho oposto ao do colega israelense. Em vez de definir o que é felicidade, ele prefere descobrir o que ela não é: fórmula, receita, padrão ou manual. “Assim como estar triste não significa ser infeliz, sentir euforia não garante felicidade. Não é sobre evitar a dor ou buscar a alegria. É sobre encontrar o equilíbrio”.
Dinheiro traz felicidade
No Brasil, algumas instituições já oferecem cursos semelhantes aos das universidades de Bristol e Yale. É o caso da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Entre outros temas, o curso Psicologia da Felicidade e do Bem-Estar, coordenado pela psicóloga Valeschka Martins Guerra, aborda “emoções positivas e negativas”, “luto, depressão e ansiedade” e “otimismo x positividade tóxica”.
“Ser feliz ou ter bem-estar pode até ser simples, mas não é fácil. Afinal, envolve a criação de novos hábitos. E criar novos hábitos é sempre difícil”, avisa Valeschka. “Além disso, a sociedade em que vivemos criou a noção de que se você se esforçar o suficiente, conseguirá tudo o que deseja. Isso não é verdade para a maioria da população. Temos dificuldades financeiras que afetam nosso bem-estar”.
Por falar nisso, um dos mitos mais recorrentes é o de que dinheiro não traz felicidade. Traz sim, dizia o economista americano Richard Easterlin (1926-2024). Mas só até certo ponto. Segundo o Paradoxo de Easterlin, de 1974, acima de uma determinada cifra, mais dinheiro não significa mais felicidade. Para o Brasil, esse valor giraria em torno de US$ 25 mil por ano. Ou, pela atual cotação do dólar, cerca de R$ 12,3 mil por mês.
Autor de pelo menos dois livros sobre o tema – Felicidade foi-se embora? (Vozes), com o religioso Frei Betto e o teólogo Leonardo Boff, e Felicidade: Modos de Usar (Planeta), com o historiador Leandro Karnal e o filósofo Luiz Felipe Pondé –, o educador Mário Sérgio Cortella não se esquece da vez em que, durante uma viagem de trabalho a Florianópolis (SC), onde mora sua filha, Ana Carolina, comprou um presente para a neta, Anna Luisa, então com 5 anos.
Ao abrir o embrulho e se deparar com um vestido azul com florzinhas brancas, a menina ficou tão radiante, mas tão radiante, que saiu gritando pela casa. Minutos depois, ainda ofegante, abriu um sorriso daqueles. “Por ser uma vivência, e não um conhecimento, felicidade não se ensina”, pondera o doutor em Educação pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). “No entanto, podemos estimular reflexões e apontar caminhos, através de cursos, livros e conversas”.
Mente sã em corpo são
Além das sete lições ensinadas por Bruce Hood, o cantor e compositor Kledir Ramil e o psiquiatra Daniel Martins de Barros acrescentam mais duas: praticar meditação e ter bom humor, respectivamente. Kledir é um dos integrantes da dupla Kleiton & Kledir, formada com o irmão. É de sua autoria, entre outras, a música Paixão, de 1981. Um dos seus versos diz: “Ser feliz é tudo o que se quer…”.
“Otimismo, amigos e natureza deixam a vida muito mais agradável. Talvez isso ajude as pessoas a encontrar o caminho da verdadeira felicidade”, pondera o músico que, há anos, é adepto da yoga. “Segundo o Vedanta [filosofia hindu], somos feitos de felicidade. Essa é a nossa natureza. O que nos falta é ter plena consciência disso. A ideia é não perder tempo procurando a felicidade em objetos e pessoas”.
Já Daniel de Barros é professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) e autor do livro Rir é Preciso – Descubra a Ciência Por Trás do Humor e Aprenda a Usá-lo para Atravessar Períodos Difíceis e Criar Relações Mais Próximas (Sextante). “Precisamos aprender a levar o humor mais a sério”, ensina o médico. “Entre outros benefícios, tem efeito anestésico, ajuda a fazer amigos e alivia as tensões do dia a dia”. E aí, vamos ser felizes?