O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) formalizou nesta segunda-feira, 3, uma denúncia contra a marca Mãe Terra, pertencente à Unilever, por publicidade abusiva e enganosa.
A acusação envolve a linha de produtos “Zooreta”, promovida como uma opção saudável para crianças ao utilizar alegações como “o primeiro biscoito infantil integral e orgânico” e veicular vídeos publicitários afirmando que “a mudança começa pela lancheira”, sugerindo que os itens seriam escolhas mais nutritivas para o público infantil.
“A Mãe Terra se posiciona como líder em alimentos naturais e orgânicos no Brasil e afirma produzir produtos que ‘cuidam do nosso corpo, alma e planeta’ […]. No entanto, a Linha Zooreta inclui produtos nutricionalmente inadequados, que estão em desacordo com as informações publicitárias exibidas em suas embalagens e campanhas”, diz trecho do documento.
Procurada, a Unilever ainda não se posicionou sobre a denúncia, protocolada na Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e no Procon-RJ.
Ultraprocessados
Segundo o Idec, a denúncia tem como base o Código de Defesa do Consumidor (CDC), por violação ao direito à informação clara (art. 6º, III); por veicular propaganda enganosa (art. 37, §§1º e 2º); e por desrespeito às normas específicas para publicidade de alimentos (art. 39, VIII).
Um dos elementos que fundamentam a denúncia é o parecer técnico do Observatório de Publicidade de Alimentos, do qual o Idec faz parte, sobre a composição nutricional dos seguintes produtos da linha Zooreta: Biscoito Cacau, Biscoito Morango, Biscoito Maisena, Salgadinho Cebola, Salgadinho Pizza, Salgadinho Queijo e Biscoito Cacau Orgânico.
A análise indica que, apesar de serem promovidos como produtos saudáveis, todos são classificados como ultraprocessados — produtos que, de acordo com o Guia Alimentar para Crianças Brasileiras Menores de 2 Anos e com o Guia Alimentar para a População Brasileira, não devem ser oferecidos para crianças e precisam ser evitados mesmo pelos adultos, uma vez que estão associados a doenças como obesidade, diabetes tipo 2, hipertensão, doenças cardiovasculares e até alguns tipos de câncer.
“O foco da denúncia não é questionar informações como ‘integral’, ‘orgânico’, ‘sem glúten’ ou ‘vegano’ que aparecem nos rótulos, mas o fato de que essas informações são usadas para disfarçar a realidade de que se tratam de produtos ultraprocessados, criando uma falsa impressão de saúde quando, na verdade, são prejudiciais”, explica Mariana Ribeiro, nutricionista do Programa de Alimentação Saudável e Sustentável do Idec.
De acordo com ela, os produtos foram classificados como ultraprocessados devido à presença de dois tipos principais de ingredientes. O primeiro grupo engloba os “aditivos cosméticos”, que realçam características sensoriais do produto, como emulsificantes, aromatizantes, corantes e gelificantes. Já o segundo é composto por ingredientes pouco utilizados na culinária doméstica, como maltodextrina, xarope de milho, soro de leite e gordura interesterificada. “A presença de pelo menos um deles já é o suficiente para categorizar como ultraprocessado”, afirma a nutricionista.
Publicidade
O Idec também critica as estratégias publicitárias, que enganariam o consumidor sobre a natureza dos produtos. Um exemplo citado na denúncia é o Zooreta Biscoito Morango. No rótulo consta “biscoito integral (35,4%) sabor morango”, mas a quantidade de morango na composição seria mínima. “O morango aparece apenas como o 14º ingrediente, enquanto a embalagem destaca fortemente a fruta com cores vibrantes e ícones, o que pode gerar uma percepção distorcida do produto”, afirma o instituto.
Outro parecer técnico, elaborado pelo Grupo de Estudos, Pesquisas e Práticas em Ambiente Alimentar da Universidade Federal de Minas Gerais (GEPPAAS/UFMG), também é mencionado na denúncia. O estudo concluiu que a linha Zooreta utiliza publicidade abusiva ao usar elementos como ilustrações de personagens infantis e mensagens direcionadas diretamente ao público mais novo, classificado como “um grupo hipervulnerável”.
Além disso, o Idec afirma que a promoção da linha Zooreta como uma opção nutricional adequada para crianças induz pais e responsáveis ao erro, fazendo-os acreditar que esses produtos são recomendáveis para o consumo infantil. A crítica também se estende às publicidades voltadas ao ambiente escolar, como o slogan “a mudança começa pela lancheira” — algo controverso, segundo o Instituto, já que a venda de ultraprocessados é proibida em escolas de diversas localidades do Brasil, como no estado do Rio de Janeiro.
De acordo com Mariana, a estratégia adotada pela Mãe Terra não é única, mas se destaca por uma combinação de elementos. “Mesmo que muitas marcas usem técnicas semelhantes, como o uso excessivo de cores, personagens e mensagens direcionadas tanto para crianças quanto para seus cuidadores, o que torna a estratégia da Mãe Terra especialmente problemática é a junção de dois fatores: a comunicação direcionada diretamente ao público infantil e o apelo à saudabilidade”, diz.
“A marca transmite a impressão de que seus produtos são opções adequadas, utilizando vídeos que, inclusive, dão recomendações sobre como montar uma lancheira com eles. Essa combinação de estratégias é o que a distingue, e foi o que motivou a elaboração da denúncia.”
Processo administrativo
O Idec solicitou à Senacon a abertura de um processo administrativo e de fiscalização, além de requerer a divulgação da Nota Técnica nº 3/2016, que aborda a publicidade infantil abusiva de alimentos ultraprocessados. A intenção é que a ação sirva como base para orientar as práticas do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, especialmente com a chegada do ano letivo, quando aumenta o consumo de produtos para lancheiras infantis.
O Idec também propôs que a Senacon busque alinhamento com outros órgãos, como o Ministério da Saúde e o Ministério da Educação, para integrar as políticas de proteção ao consumidor com as diretrizes de saúde e educação pública.