Obstinada por entender o funcionamento do cérebro desde criança, a neurocientista norueguesa May-Britt Moser já dedicou mais de três décadas a pesquisas sobre nossas memórias e o que nos leva a perdê-las.
Defensora da pesquisa de base, a cientista observa em ratos como o cérebro de mamíferos funciona, gerando descobertas que podem sustentar revoluções na pesquisa clínica e, no futuro, serem aplicadas à prevenção e ao tratamento do Alzheimer.
Em 2014, ela recebeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia pelas pesquisas desenvolvidas sobre o hipocampo e o córtex entorrinal, partes essenciais à memória humana. O prêmio foi dividido com seu ex-marido, o também neurocientista norueguês Edvard Moser, e o britânico John O’Keefe.
Desde que ganhou a láurea, recebe muitos convites para colaborações, entrevistas e eventos, mas raramente deixa o seu laboratório na Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU), na fria cidade de Trondheim.
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Ela ainda adicionou que cada vez é mais necessário “o uso da física e da matemática para entender a complexidade das células cerebrais.”
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A memória em detalhes
Após formar-se em psicologia pela Universidade de Oslo em 1990, May decidiu explorar o cérebro humano de outras formas. Começou a se dedicar a pesquisas sobre o hipocampo, a principal estrutura do nosso cérebro responsável pela memória. Tornou-se PhD em neurociências em 1996 e, no mesmo ano, assumiu o cargo de professora da Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia (NTNU), onde atua até hoje.
Os estudos da norueguesa dão respostas a algumas das questões mais básicas sobre a formação da nossa memória episódica, ou seja, sobre a nossa capacidade de lembrar de momentos específicos da nossa trajetória e saber quando, onde e o que aconteceu na nossa vida.
Há três décadas, ela sua equipe desenvolvem pesquisas com ratos para identificar quais são, precisamente, as células envolvidas nesse processo — e o progresso feito pelo time foi imenso. Em 2005, publicaram na revista Nature o artigo que anunciou a descoberta das células de grade (grid cells), que são essenciais para o nosso senso de localização.
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Essas partículas ficam no córtex entorrinal, uma área essencial ao funcionamento do hipocampo que começou a receber atenção no século 21. Ela funciona como um “GPS” do nosso cérebro e também é uma das partes mais prejudicadas pela doença de Alzheimer — um dos primeiros sinais da condição é a desorientação espacial.
Desde então, foram identificadas também neste córtex as células de direcionamento da cabeça, as células conjuntivais, as células de fronteira, as do vetor de objetos e as de velocidade. Elas são responsáveis por diversas funções cognitivas e, quando morrem, dificultam a navegação espacial, a criação de novas memórias e a lembrança de sequências de eventos.
“Nós aprendemos que as células dessa área são as primeiras a morrer [com o avanço da doença de Alzheimer], então é importante que estudemos elas para entender o que está causando essa morte celular e como pará-la“, explica a cientista em coletiva de imprensa.
Segundo a especialista, apesar dos inúmeros avanços promovidos por essas descobertas, ainda há muito o que desvendar sobre como armazenamos as memórias, por que as perdemos e como podemos evitar que isso aconteça.