Alexandre de Moraes, ministro do STF (Supremo Tribunal Federal), foi aprovado nesta sexta-feira (12) para o cargo de professor titular de direito eleitoral da USP em um concurso que teve uma novidade relevante para ele.
Não era a faculdade, de que Moraes foi aluno e que ainda frequenta semanalmente como professor associado de direito constitucional. Tampouco a organização do ambiente. Com examinadores alinhados e alguém sentado alguns degraus abaixo, de costas para a plateia, a disposição lembrava a do plenário do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), onde Moraes também é ministro.
A diferença foi a posição que o ministro ocupou no espaço. Diferente do que acontece na corte eleitoral, no salão nobre era ele quem estava de costas para a plateia, e seus examinadores um nível acima.
A banca era composta por Flávio Yarshell, do departamento de direito processual da faculdade; Celso Lafer, professor aposentado; Marta Arretche, do departamento de ciência política da USP; Ana Paula de Barcellos, da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro); e Carlos José Vidal Prado, da Uned (Universidad Nacional de Educación a Distancia), na Espanha.
Moraes ganhou pela defesa de tese quatro notas 9,5 e uma 10 (de Vidal Prado). Recebeu também quatro notas 10 e uma 9,5 (de Lafer) pela prova de erudição e cinco 10 por seu memorial.
A maciça presença de professores da faculdade assistindo ao concurso foi uma demonstração de apoio, e houve breves momentos de reverência, mas os examinadores não aparentaram temor ao avaliar aquele talvez seja o julgador mais temido do Brasil.
Ao longo do concurso, não se ouviu a palavra Xandão.
Moraes não estava ali como o ministro do STF odiado por bolsonaristas e aclamado pelos que veem seu papel como decisivo na manutenção da democracia no país. Não houve vaias, e aplausos só aconteceram ao fim das mais de seis horas de arguição.
Havia polícia fora e segurança dentro, mas não era ostensiva. Antes de anunciar o resultado final, Yarshell agradeceu a discrição dos agentes.
Foi ele também quem, logo antes da entrada de Moraes no salão nobre da São Francisco, deu um aviso: estava sob exame ali a obra acadêmica de um candidato a professor titular, e nada mais.
Em alguns momentos, essa fronteira foi cruzada. Ao menos três dos cinco examinadores falaram da honra de estar ali. A professora de ciência política da USP Marta Arretche, por exemplo, mencionou a atuação de Moraes como crucial para a manutenção da democracia.
Yarshell também mencionou que, em alguns momentos do passado recente, quando questionava a proporcionalidade de alguma ação do STF, ponderava a si mesmo não saber exatamente de quais informações os ministros dispunham.
Isso não o impediu de fazer questionamentos sobre a tese apresentada por Moraes e indagá-lo sobre a sua dupla posição ali: um ministro da corte eleitoral que apresentava uma tese sobre a sua área de atuação.
Com o título “Direito eleitoral e o novo populismo digital extremista: liberdade de escolha do eleitor e a promoção da democracia”, a tese de Moraes trata da legislação sobre combate à desinformação e discursos de ódio e antidemocráticos.
Analisa também a atuação da Justiça Eleitoral e defende uma regulamentação das empresas de tecnologia.
“Todos nós sabemos que, ao escrever uma tese, a regra é escrever sobre um tema com o qual a gente guarda proximidade”, disse Yarshell. “Eu tenho dúvida, e vou fazer uma provocação respeitosa, se Vossa Excelência não foi um pouco além disso.”
Em seguida, o professor do departamento de direito processual da faculdade lembrou que, assim como conhece bem o tema, Moraes é um dos protagonistas do objeto da tese. Avaliou que ele, por vezes, adotou um tom que lhe pareceu quase inflamado.
Yarshell recordou ainda os ataques que integrantes do STF e seus familiares sofreram de bolsonaristas. “Lembrando aqui que estamos falando de ataques pessoais, a entes queridos, então talvez seja difícil manter uma distância.”
Moraes brincou que não foi ele quem marcou a data do concurso e disse que tenta separar os dois papéis, mas que nem sempre isso é possível. Comparou a situação à dos professores que também atuam como advogados como, por exemplo, o próprio Yarshell.
“Por mais que a gente tente tirar um chapéu e colocar outro, não é possível desvencilhar totalmente”, disse.
O ministro também respondeu a outros questionamentos sobre sua posição na tese. Arretche e Barcellos quiseram saber, de formas diferentes, se remoção de conteúdos não ajudaria a alimentar a popularidade dos que foram alvo da medida.
Ele reconheceu que possivelmente sim, mas ponderou que, no caso do direito eleitoral, a medida é efetiva, uma vez que pode culminar no que populistas mais temem: a impossibilidade de chegar ao poder.
Em alguns momentos, Moraes candidato se confundiu com Moraes ministro, como quando citou os xingamentos de comunista que recebe ou brincou com o atual embate com o bilionário Elon Musk, do X.
Indagado na quinta-feira (11) sobre ausências de menções à Rússia na tese, por exemplo, afirmou: “Não falei da Rússia porque a Rússia ainda não veio se meter no Brasil. Talvez venha semana que vem, esta semana foi o Elon Musk.”
Anunciada sua aprovação nesta sexta, ele se ateve ao papel de acadêmico. Abordado pela reportagem, respondeu que não falaria. “Estou aqui como professor”, disse.