De acordo com pesquisa realizada pela Fundação Sistema Estadual de Análise de Dados Estatísticos (Seade), com base em dados do “Perfil da Mulher no Estado de São Paulo”, houve uma mudança significativa no perfil etário da maternidade entre 2010 e 2022. O estudo revela que o número de mulheres paulistas que se tornaram mães depois dos 35 anos subiu 40% ao longo dos 12 anos de análise. Quando se trata especificamente daquelas com mais de 40 anos, o aumento foi de 64% no mesmo período.
Segundo Lúcia Mayumi Yazaki, demógrafa e pesquisadora da Fundação Seade, os dados não refletem apenas a realidade regional, mas também uma tendência nacional, como mostra pesquisa divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) na última sexta-feira, dia 8. Segundo o levantamento, o número de brasileiras que se tornaram mães com mais de 40 anos cresceu 65,7%, passando de 64 mil em 2010 para 106,1 mil em 2022. Quando se trata de mulheres entre 30 e 39 anos, o aumento foi de 19,7%.
Essa mudança pode ser atribuída à disseminação de informações sobre métodos anticoncepcionais e à busca por estabilidade emocional e financeira. Independentemente dos motivos, para Luciano Pompei, ginecologista e presidente da Associação de Obstetrícia e Ginecologia do Estado de São Paulo (Sogesp), é necessário entender que uma gravidez considerada tardia, ou seja, após os 35 anos, exige cuidados especiais — sobretudo se ocorrer depois dos 40 anos.
É importante entender que, com o passar do tempo, os óvulos também envelhecem, e esse processo é marcante especialmente a partir dos 35 anos. Segundo Rafaela Cecílio Sahium, mastologista e ginecologista do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, isso aumenta o risco de algumas complicações, como aborto espontâneo e parto prematuro.
Além disso, há um risco maior de doenças como diabetes e hipertensão entre as mulheres, além de uma probabilidade aumentada de ocorrência de alterações cromossômicas no bebê, como é o caso da síndrome de Down e de Patau.
Ainda com relação ao bebê, o coordenador médico de obstetrícia do Hospital Israelita Albert Einstein, Romulo Negrini, complementa que as doenças que afetam as mães podem ter efeitos adversos sobre a criança. A hipertensão, por exemplo, pode desencadear alterações na função placentária, resultando em um suprimento inadequado de nutrientes. “Essa condição, além de exigir a antecipação do parto em muitos casos, também está associada a um aumento do risco de diabetes e hipertensão ao longo da vida da criança”, afirmou Negrini.
Porém, Pompei ressalta que, apesar dos eventuais riscos associados à gestação tardia, não há motivo para pânico. De acordo com ele, o pré-natal é o ponto central para garantir uma evolução positiva. “Trata-se do pilar fundamental para uma gravidez tranquila e com menos complicações”, resume.
Ele observa ainda que, se for possível, vale a pena iniciar a avaliação médica antes mesmo da concepção, permitindo uma análise completa das condições da mulher, inclusive com exames para detectar problemas pré-existentes. Dessa forma, é possível reduzir ainda mais o risco de intercorrências.
Reprodução humana também mexeu no cenário
A paulista Audrey dos Reis, hoje com 45 anos, faz parte do grupo de mulheres que adiaram a maternidade por motivos pessoais e também vinculados à carreira. Em seu caso, porém, havia uma facilidade: como ela é ginecologista e obstetra especializada em reprodução humana, a decisão foi apoiada na possibilidade de congelar seus óvulos, o que aconteceu aos 34 anos, idade que antecede a entrada naquela fase que marca o envelhecimento acentuado dos gametas femininos.
O destino de Audrey, contudo, seguiu uma rota não planejada. “Quando pensei em descongelar meus óvulos para uma fertilização, me descobri grávida aos 41 anos. Uma gestação natural, sem complicações nem tratamento de reprodução”, conta.
Médica no Instituto Ideia Fértil, em São Paulo, Audrey acredita que a ampliação de acesso à informação sobre as técnicas de reprodução humana também pode ser considerada como um dos fatores capazes de explicar o aumento das taxas de maternidade após os 35 anos de idade.
Ainda de acordo com a especialista, não há uma idade contraindicada para o congelamento, no entanto, é recomendável que seja realizado até os 35 anos — afinal, depois disso há redução na quantidade e na qualidade dos óvulos.
Após o descongelamento dessas estruturas, o processo de fertilização in vitro (FIV) pode minimizar os riscos de complicações no bebê, caso a paciente opte por realizar o diagnóstico pré-implantacional (PG), que identifica embriões sem alterações genéticas.
Quanto aos riscos para a mãe, não há nenhum indício de que as técnicas de reprodução assistida apresentem alguma vantagem com relação à concepção natural.
A especialista diz que certas complicações podem, sim, estar relacionadas à idade, mas reforça que não é possível generalizar. De acordo com ela, muitas mulheres já possuem predisposição a desenvolver problemas como diabetes e hipertensão, o que pode ser agravado ao longo da gestação – e em qualquer idade.
Além disso, hábitos prejudiciais à saúde no decorrer da vida, como consumo excessivo de alimentos ultraprocessados, tabagismo e sedentarismo, são outros fatores capazes de aumentar a probabilidade de intercorrências na gestação, mesmo em mulheres mais jovens.
De olho nisso, Audrey frisa que, a despeito da idade, toda pessoa que deseja passar pela experiência da gestação deve investir em comportamentos saudáveis, como manter alimentação equilibrada, praticar atividade física e controlar possíveis doenças pré-existentes. No decorrer do pré-natal, tudo isso deve ser ajustado de acordo com as necessidade da paciente.
Outro ponto levantado por ela é a importância de analisar a saúde masculina. “O casal deve ser avaliado como um todo, não apenas a mulher, visto que o embrião é resultante da união de dois fatores (óvulo e também espermatozoide)”.
“Uma coisa que também não deve ser deixada de fora é o acolhimento e o apoio emocional, fatores que muitas vezes são vistos como secundários”, opina a especialista.
Mais maturidade
A psicanalista Fabiola Ramon também decidiu focar em sua estabilidade profissional e emocional antes de engravidar. Com isso, o desejo pela maternidade apareceu aos 30 anos. Depois de tentativas frustradas e a descoberta da infertilidade do marido, a fertilização in vitro tornou-se uma opção, resultando na chegada dos gêmeos Guilherme e Tiago. Ela tinha 37 anos quando eles nasceram e, hoje, está com 48.
Por causa da idade e também pelo fato de ser uma gravidez gemelar, Fabiola passou por uma gravidez de risco, com dois descolamentos de placenta. Mas avalia que ser mãe após os 30 anos foi uma escolha valiosa.
De acordo com ela, a maturidade e a possibilidade de ter realizado planos individuais permitiram que encarasse os desafios da maternidade com serenidade e disponibilidade afetiva, algo que talvez não fosse possível em idade mais jovem. “Hoje, existe uma troca. Valorizo minha maturidade, mas também a juventude que meus filhos me trazem, me apresentando a coisas novas”, diz.
Queda nas taxas de gravidez na adolescência
Enquanto o número de mães em idades consideradas mais avançadas aumentou, o de gestantes jovens diminuiu no Estado de São Paulo. Durante os 12 anos analisados pela Seade, houve uma queda de 58,7% nos registros de meninas com menos de 15 anos que se tornaram mães. Além disso, houve redução de 51,3% nas gestações na faixa etária entre 15 e 19 anos e de 25,5% entre 20 e 24 anos.
Albertina Duarte, ginecologista e coordenadora da área técnica de Saúde do Adolescente na Secretaria do Estado de São Paulo (SES), interpreta esse fenômeno como um indicativo do adiamento da maternidade, bem como da ampliação do acesso à informação sobre métodos contraceptivos e da educação sexual.
A médica, que desde 1998 realiza rodas de conversas com adolescentes sobre sexualidade infanto-juvenil, também atribui a queda à existência de espaços de acolhimento. “Acolher significa abrir espaço de escuta e criar ambientes onde adolescentes se sintam seguros para compartilhar suas dúvidas e experiências”, explica.
Dentre os principais desafios da gestação na adolescência, Albertina cita a disparidade de oportunidades. De acordo com ela, a gestação nessa fase da vida acaba influenciando em desigualdades sociais e econômicas.
A ginecologista Rafaela Sahium observa ainda que, fisiologicamente, o corpo pode não estar pronto para enfrentar a gravidez e o parto, aumentando o risco de complicações, como fístulas obstétricas, pré-eclâmpsia, infecções, aborto e parto prematuro. “Fora todos os estigmas sociais, a exclusão e até mesmo casos de violência”, acrescenta.
Atualmente, Albertina atende cerca de 192 mil meninos e meninas por ano, e já testemunhou muitas histórias ao longo desse processo. Segundo ela, as estatísticas atuais animam, mas há muito trabalho a ser feito, especialmente em regiões como Norte e Nordeste. “Precisamos descentralizar o olhar, direcionando-o também para essas regiões”, diz. “Essas mães jovens não são culpadas, mas vítimas de um sistema que precisa sofrer ajustes para que elas possam se informar, adentrar o mercado de trabalho e voltar à escola se necessário”, aponta.
A especialista faz questão de frisar a necessidade de incluir meninos em aulas e conversas sobre educação sexual. Segundo ela, é fundamental que ambos os gêneros compreendam não apenas a fisiologia e os métodos contraceptivos, mas também a autonomia que as meninas devem ter sobre seus corpos. “Essa abordagem inclusiva é essencial para promover relacionamentos saudáveis e igualdade de gênero, além de prevenir situações de violência”, afirma.
Saúde pública
Com relação ao aumento de mulheres em idades mais avançadas se tornando mães, Albertina observa que a gravidez programada — especialmente a que acontece por meio de técnicas de reprodução humana assistida — é uma realidade predominantemente de mulheres brancas e com escolaridade e condições financeiras estáveis.
Esse contexto, segundo ela, aponta para uma complexidade de fatores socioeconômicos que também influenciam nas decisões reprodutivas das mulheres. “Essas mães, embora enfrentem riscos específicos devido à idade, muitas vezes têm acesso a recursos e cuidados que podem mitigar esses desafios”, interpreta.
Logo, ela ressalta a importância de uma abordagem diferenciada no Sistema Único de Saúde (SUS), reconhecendo que nem todas as gestantes se enquadram nesse perfil. Enquanto as adolescentes grávidas, particularmente as negras de áreas periféricas, exigem uma atenção sensível e direcionada, as gestantes mais velhas demandam um preparo profissional e hospitalar adequado para garantir a saúde — tanto da mulher quanto do bebê. “É fundamental que todas recebam o suporte necessário, independentemente de sua origem étnica ou condição socioeconômica”, enfatiza Albertina.