Médicos chineses anunciaram uma nova abordagem com potencial para tratar pacientes com diabetes tipo 2. A partir de um método inédito, os especialistas do Instituto de Bioquímica e Biologia Celular de Xangai conseguiram fazer com que um paciente com a doença não precisasse mais usar injeções de insulina (o hormônio que ajuda a regular os níveis de açúcar no sangue).
Após o procedimento, ele foi acompanhado por mais de dois anos e, nesse período, não apresentou mais nenhum episódio grave relacionado aos índices de glicose no sangue.
O paciente, de 59 anos, convivia com a doença há 25 anos. Ele apresentava dificuldades em manejar os níveis de glicose no sangue mesmo com o uso de injeções de insulina e já tinha passado por um transplante de rim após desenvolver nefropatia diabética (uma complicação em decorrência do descontrole do quadro).
O diabetes tipo 2 costuma estar relacionado à presença de obesidade, especialmente a abdominal. O quadro faz com que, com o tempo, o pâncreas vá parando de produzir a insulina de forma natural. Por isso, em determinado momento, muitas pessoas precisam usar injeções do hormônio ao longo do dia. A insulina ajuda a tirar o açúcar da circulação e colocar dentro das células, com a finalidade de gerar energia.
O estudo
Nesse trabalho piloto, células-tronco com potencial para se transformar em ilhotas pancreáticas (grupos de células responsáveis pela produção de insulina no corpo), foram transplantadas no fígado do paciente, onde passaram a produzir insulina de maneira similar à que ocorre no pâncreas.
Assim, com a estratégia, essas células começaram a trabalhar do fígado, que começou a funcionar como uma espécie de “filial” do pâncreas, sendo o novo ponto de partida da insulina para o restante do corpo.
Falando assim, parece algo simples. Mas o processo inteiro é digno de ficção científica: os pesquisadores coletaram células do sangue do paciente e conseguiram transformá-las em células-tronco embrionárias, um tipo celular como o presente nos embriões, capaz de se transformar em qualquer outro tipo de célula do corpo humano.
No laboratório, essas células-tronco embrionárias foram direcionadas para se tornarem células-tronco “endodérmicas”, ou seja, especializadas em se transformar em células dos órgãos internos, como o fígado e o pâncreas. Após um ano de desenvolvimento no fígado do paciente, as células-tronco endodérmicas se transformaram em ilhotas pancreáticas, as estruturas responsáveis pela produção de insulina.
O que há de novo
Apesar de algo de fato impressionante, a verdade é que os cientistas já vêm estudando o uso de células-tronco para gerar ilhotas pancreáticas em laboratório há um tempo. Mas, como observa Carlos Eduardo Barra Couri, endocrinologista da Universidade de São Paulo (USP), de Ribeirão Preto, isso está longe de ser algo fácil.
Segundo Barra Couri, o que esse estudo traz de novo é a utilização de células do sangue do paciente para o desenvolvimento das células-tronco, fazendo com que tenham o DNA do próprio indivíduo. Isso evita que seja necessário realizar a chamada imunossupressão (usada para evitar a rejeição de corpos estranhos) e recorrer a doadores mortos.
É que, como os chineses abordam em sua publicação, um método eficaz para tratar o diabetes do tipo 2 que depende da aplicação de insulina é o transplante de ilhotas pancreáticas de doadores falecidos. No entanto, esse tratamento é limitado pela escassez de órgãos doados. Por isso, o feito é promissor. Mas ainda levanta algumas questões importantes sobre sua aplicabilidade e segurança em longo prazo.
O paciente chinês foi curado do diabetes?
Couri destaca que, embora o estudo seja importante, não é possível afirmar que o paciente em questão foi curado e que, quando se trata de diabetes, os bons hábitos devem ser sempre prioridade. “Quando foi feita a infusão de células-troncos, o que aconteceu foi que ele parou de usar insulina. Mas isso não é curar. Esse paciente tem que fazer atividade física e ter uma alimentação saudável”, explica o médico.
É importante lembrar ainda que os cientistas apresentaram apenas um caso isolado, e há muitas incógnitas a serem consideradas. Segundo Barra Couri, a eficácia e a segurança dessa técnica em outras pessoas, especialmente de diferentes etnias, ainda precisam ser cuidadosamente avaliadas. Além disso, o acompanhamento de longo prazo é essencial para entender completamente os efeitos e possíveis riscos associados ao tratamento.
Questões sobre a replicabilidade dos resultados, a durabilidade da resposta terapêutica e o potencial de formação de células não desejadas, como as cancerígenas, também merecem um olhar atento e exigem investigações adicionais. Como mencionado pelo médico, que há anos desenvolve importantes estudos no Brasil sobre o uso de células-tronco para o controle da diabetes tipo 1, a validação de qualquer tratamento requer estudos abrangentes envolvendo um grande número de pacientes ao longo de um período significativo de tempo.