Um mês após a morte de João Vinícius Ferreira Simões, 25, que foi eletrocutado durante festival I Wanna Be Tour, no Rio de Janeiro, Roberta Isaac Ferreira, 45, mãe do estudante, reuniu forças, testemunhas e provas para responsabilizar os organizadores do evento, mas até o momento, ninguém foi preso ou indiciado.
Como anda o caso
A mãe do jovem lembra que além do filho, outras famílias também passaram por situações semelhantes e até hoje aguardam respostas. Além do caso João Vinicius, no Rio Centro, ela cita o de Maria Fernanda Ferreira de Lima, que morreu em 2019, no Terreirão.
Quero justiça para que nenhuma mãe passe mais pelo que estou passando. Passaram cinco anos desde que ela morreu após tomar o choque e o caso se repete com meu filho. Quero punição e mais fiscalização do poder público. O Rio Centro é uma concessão pública, e a prefeitura do RJ deveria fiscalizar.
Roberta Isaac Ferreira
João Vinicius estava no evento no último dia 9 de março e durante o temporal no meio dos shows, na intenção de se abrigar, ele encostou em um food truck e acabou sendo eletrocutado. Ele chegou a ser socorrido, levado para o hospital, mas não resistiu.
Roberta foi ao Rio Centro no dia seguinte a morte do filho e diz ter se deparado com fios expostos e o local completamente desmontado. A 30ª DP, responsável pelo festival, só isolou o local durante a noite do acidente a pedido das testemunhas, mas no dia seguinte, nada foi preservado para a perícia.
Estive segunda-feira (8) com a delegada responsável e ela disse que a perícia está pronta. Foram encontradas várias irregularidades dentro do local do evento. Segundo as testemunhas, não foi só o food truck que estava dando choque e sim em outras estruturas dentro do Rio Centro. Os responsáveis do evento não estão me ajudando de forma alguma e desde então eu não trabalho, estou de licença médica a pedido da psiquiatra e estou tomando medicamentos.
Roberta, que é professora
A delegada responsável pelo caso, Elaine Andrea Nunes Rosa, da 32ª DP (Taquara), informou à reportagem que os agentes ouviram testemunhas, coletaram elementos e provas visando apurar a responsabilidade pelo ocorrido. “A investigação está em fase final para posterior encaminhamento ao Ministério Público”, disse.
Outros casos
João era filho único, morava em Maricá, região metropolitana do Rio, com a mãe e estava se formando em educação física. Roberta conta que estava em contato com o filho durante todo o dia para saber se estava tudo bem no show, até que chegou um momento que o jovem não respondeu mais as mensagens. Ele foi ao evento para assistir ao Simple Plan, de quem era fã, mas não teve a chance de ver a banda.
Ana Clara Benevides, fã de Taylor Swift, também não teve chance de assistir o show completo da artista. Ela morreu em 17 de novembro no Rio de Janeiro, devido ao calor extremo. O perito concluiu que a jovem estava exposta a calor difuso (extremo). A exposição foi indireta e a fonte do calor foi o sol, segundo resultado do laudo obtido por Splash.
A evolução clínica aponta “exaustão térmica com choque cardiovascular, comprometimento grave dos pulmões e morte súbita”. Ana Clara teve hemorragia alveolar, que é o rompimento dos vasos sanguíneos que irrigam os pulmões. Ela ainda teve congestão polivisceral, a paralisação de vários órgãos, por exposição difusa ao calor — insolação.
A 24ª DP (Piedade) informou que iria intimar os responsáveis da T4F (Time for Fun) para depor no inquérito. Eles deveriam prestar esclarecimentos sobre os cuidados tomados para amenizar o calor durante a apresentação de Taylor Swift. Splash procurou a Polícia Civil, mas até o momento eles não responderam sobre o andamento das investigações.
Cinco anos sem respostas
Maria Fernanda Ferreira de Lima, 20, assim como João Vinícius, também foi eletrocutada em 2019, após ter encostado numa barra metálica energizada na festa Puff Puff Bass, no Terreirão, casa de shows do Centro do Rio.
Cinco anos após a morte, seis pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público ao Tribunal de Justiça e respondem a um processo por homicídio culposo (quando não há intenção de matar). A audiência de instrução e julgamento começou apenas na terça-feira passada (2).
Nossa vida acabou. Vivemos na escuridão, na dor. No vazio de saber que nunca mais teremos a Fefe com a gente. É torturante, é desesperador. A gente tenta viver um dia de cada vez sabendo que isso vai nos assombrar para sempre. Não é fácil, não somos mais uma família feliz.
Eva Gabriella Ferreira de Lima, irmã de Maria Fernanda
Eva Gabrielle sofre pela perda e pela demora na Justiça. Até o momento, ninguém foi responsabilizado pela morte da jovem mesmo após cinco anos. Para a irmã, a cultura da impunidade no Brasil e a incerteza sobre os culpados, é o que mais assombra a família.
É um sentimento incerto. Ao mesmo tempo que está acontecendo o que tanto esperei [a audiência dos acusados], se passaram cinco anos que minha irmã faleceu. Cinco anos na espera de alguma resposta, algum conforto (que nunca terei) e de Justiça. Cinco anos de muita dor, e sabendo que nunca mais terei minha Fefê de volta. Estou por um lado satisfeita e com medo de criar expectativas que não serão cumpridas, que é a justiça acertada nesse caso tão delicado, e que cada um responda na sua devida proporção de culpa, tendo com eles que uma menina de 20 anos foi morta pela ganância, pela negligência, por falta de amor ao próximo.
Eva Gabriella
A similaridade das tragédias fez com que as famílias de João e Maria Fernanda se unissem na busca por respostas e na luta para que casos como esses não se repitam. “Que a justiça seja feita em memória da minha irmã. Que lembrem do caso dela para mais como esses não aconteçam novamente e famílias não sejam destruídas pela dor e por um futuro assombrado da falta de quem você tanto amou e ama”, afirma Eva Gabriella.
“Essa justiça precisa acontecer, porque mesmo eu implorando que os acusados respondessem pelo que fizeram, mais uma morte ocorreu, a do João. Me comoveu muito pelo caso similar, vou ajudar a família dele como puder. Clamar não só pela justiça da Fefe mas também pela desse jovem cheio de vida e sonhos como a minha irmã”, completou ela.