Segundo pesquisa conduzida pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública em colaboração com a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF), cerca de 20% das crianças enfrentam problemas de constipação intestinal, o famoso “intestino preso”. Apesar da prevalência, avaliar essa condição pode representar um desafio, o que frequentemente dificulta a definição do tratamento mais apropriado.
Amplamente adotado em âmbito mundial, o método de avaliação mais comum é o Roma IV. Este procedimento consiste em seis perguntas, sendo que duas respostas positivas confirmam a presença de constipação. Embora essa abordagem seja eficaz para confirmação do diagnóstico, ela não permite identificar a gravidade do problema.
Para superar essa limitação, um estudo conduzido pela Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública e publicado no Journal of Pediatric Urology adaptou e validou o Cleveland Constipation Score (CCS) para uso pediátrico. Originalmente desenvolvido para avaliar a constipação em adultos, o CCS foi modificado para se adequar à realidade das crianças e dos adolescentes, incluindo ajustes linguísticos e a reformulação de certas perguntas, com alternativas que vão além do “sim” e do “não”.
De acordo com o urologista Ubirajara Barroso, orientador da pesquisa realizada pela coloproctologista Glícia Abreu, essa adaptação do CCS permite não apenas a confirmação do diagnóstico, mas também a quantificação da gravidade da prisão de ventre, possibilitando assim a prescrição de tratamentos mais eficazes.
Outra grande vantagem desse método, na opinião do especialista, é a eliminação da necessidade do toque retal, que, em alguns casos, é exigido pelo Roma IV para confirmar a constipação em crianças – sobretudo quando há resposta positiva apenas para um dos critérios de avaliação.
O estudo envolveu a análise de 100 crianças e, segundo Glícia, mostrou que o novo método possui alta concordância com o Roma IV. “Isso indica que o questionário adaptado é eficaz para diagnosticar constipação em crianças, fornecendo resultados consistentes”, explica a especialista.
Atualmente, os pesquisadores estão em processo de negociação com uma universidade americana para validar o método em inglês, o que pode colaborar para que o CSS em versão pediátrica se torne o novo padrão mundial. “Essa iniciativa não apenas colabora com o alcance da ferramenta, mas também contribui para sua aceitação global, representando um avanço significativo na abordagem diagnóstica da constipação em crianças”, afirma Barroso.
O que é a constipação?
Para ter uma noção do que é a constipação, é necessário, primeiro, compreender o processo digestivo. Quando ingerimos um alimento, substâncias químicas produzidas pelo nosso corpo trabalham para que esses restos se movam até o intestino. Quando chegam ao cólon, todos os nutrientes já foram absorvidos. Após cerca de 15 ou 18 horas, nosso organismo elimina os dejetos.
Quando há constipação, que resumidamente é dificuldade de eliminação das fezes, significa que essa mobilidade no intestino acontece de forma mais lenta.
Quais os principais sintomas da prisão de ventre?
Segundo a gastropediatra Vera Sdepanian, presidente do Departamento de Gastroenterologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo (SPSP), o principal sinal de constipação é quando se evacua menos de três vezes por semana, sendo as fezes duras, grossas e secas, ocasionando dor e sangramentos durante as idas ao banheiro.
Além disso, segundo Barroso, 90% das crianças com prisão de ventre têm perda de fezes, o que acaba dificultando a busca por ajuda médica ou a compreensão de que a criança está enfrentando a constipação.
“Essa perda de fezes é, na verdade, um transbordamento. Isso acontece quando as fezes ficam estacionadas durante muito tempo no canal retal, dando a falsa impressão de uma diarreia”, descreve.
A prisão de ventre pode gerar outros tipos de problemas?
De acordo com Vera, a constipação pode colaborar com danos psicológicos em decorrência da dor e dos eventuais transbordamentos de fezes. Além disso, no pior dos casos, essa condição pode colaborar com o surgimento do ‘megacólon tóxico’ – quando a criança vai acumulando cada vez mais fezes, o contribuindo para um quadro de infecção sistêmica.
Nesse sentido, Barroso, que também é secretário-geral da International Children’s Continence Society (ICCS), afirma que uma das infecções mais comuns ocasionadas pela prisão de ventre é a urinária. Conforme ele explica, isso acontece pela proximidade anatômica entre o trato intestinal e o sistema urinário, o que acaba facilitando a migração das bactérias contidas no acúmulo de fezes para a bexiga.
Se não houver tratamento, tanto a constipação quanto a incontinência podem acompanhar o indivíduo até à vida adulta. “O tratamento precoce e adequado da constipação e da incontinência é essencial não apenas para cessar os problemas, mas para promover o bem-estar emocional e social”, observa o médico.
Como prevenir a constipação em crianças?
Segundo Vera, que também é professora da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) , há algumas formas de prevenir a constipação nos pequenos:
- Inclusão de fibras na alimentação. A substância pode ser encontrada em alimentos como farinha de linhaça, aveia, verduras, legumes, frutas e até na pipoca;
- Oferecer bastante água, já que ela ajuda na formação do bolo fecal e facilita sua movimentação pelo corpo;
- Estabelecer horários para as idas ao banheiro (isso ajuda a condicionar o intestino a funcionar corretamente);
- Praticar atividade física, pois isso favorece a movimentação do próprio intestino.
Como é tratamento para a constipação?
De acordo com Vera, o tratamento inicial pode ser mais simples do que se pensa. Considerando a gravidade de cada caso, a abordagem envolve ajustes rotineiros, como aumentar a ingestão de fibras e água. Além disso, é recomendável adotar um hábito simples, como sentar no vaso após as refeições, mesmo sem sentir vontade de evacuar, o que pode estimular o reflexo gastrocólico, facilitando a eliminação das fezes retidas.
Embora não sejam infalíveis, essas medidas podem contribuir significativamente para o alívio da constipação infantil, proporcionando uma melhor qualidade de vida. Em casos mais graves, a prescrição de laxantes e a lavagem intestinal podem ser necessárias. Mas a decisão fica a critério do médico da criança.