Quando buscamos as causas para os sofrimentos humanos, é comum observarmos um desmembramento de explicações que ora dão conta apenas da esfera do indivíduo, ora somente da esfera coletiva. É mais complexo buscar a compreensão da interrelação entre esses dois campos. Mas quando se perde de vista a intersecção entre eles, corre-se o risco de oprimir o indivíduo ou de errarmos no entendimento do âmbito coletivo, justificando muitas vezes o injustificável.
Esse é o caso da síndrome do impostor, ou, como preferiam chamar as criadoras do termo, o “fenômeno do impostor”. Na clínica, as queixas relacionadas a esse tipo de sofrimento são cada vez mais comuns, sobretudo quando o paciente faz parte de algum grupo socialmente vulnerável.
Na minha experiência, mulheres e pessoas negras vivem com mais frequência e intensidade o fenômeno do impostor do que homens brancos. Mas o que explicaria essa relação?
Um artigo escrito pelas psicólogas norte-americanas Pauline Rose Clance e Suzanne Imes em 1978 trouxe o fenômeno registrado pela primeira vez.
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Deste modo, quando um homem fracassa em algo, ele tenderia a atribuir esse fracasso a algum evento externo e temporário. Ou seja, suas explicações para seu insucesso o eximem de culpa. Por outro lado, quando é bem-sucedido, ele tenderia a atribuir esse resultado às suas competências e ao seu esforço.
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Já com as mulheres aconteceria o oposto: elas apresentam mais chances de atribuírem o fracasso a causas internas e inerentes a elas, enquanto o sucesso seria derivado de causas externas e temporárias. É como se o sucesso de uma mulher fosse um acidente e o fracasso, a regra.
Claro que isso está mudando hoje em dia. Essa é uma pesquisa do final dos anos 1970, mas que retrata com precisão a dificuldade que a sociedade tem em atribuir o sucesso feminino à própria capacidade e competência das mulheres.
Margaret Mead e outras pesquisadoras que a sucederam demonstraram como esse processo de auto-descredibilização é fruto da internalização de papéis sociais e de preconceitos, que podem ser estendidos a outros grupos marginalizados.
Isso explica por que homens brancos, em geral, sofrem menos e com menos intensidade a síndrome do impostor. Existem exceções, que dependem inclusive da configuração e da história familiar.
Mas esse grupo sempre contou com o privilégio de poder ser mediano e, mesmo assim, ganhar destaque na sociedade.
Neste sentido, um artigo recente em um grande jornal precisou fazer um grande contorcionismo para criticar a lei de cotas nas universidades. É um desserviço, uma vez que as cotas raciais não apenas buscam fazer uma reparação histórica diante de um passado vergonhoso e desumano, como atuam transformando valores simbólicos e atenuando sofrimentos psicológico (como a síndrome do impostor), ao construir uma sociedade menos injusta e mais equânime.
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O fenômeno do impostor é um sofrimento de base social, que tem as suas causas enraizadas na nossa formação cultural. Ele não é uma doença, não está categorizado em nenhuma referência como uma patologia reconhecida.
Mas isso não quer dizer que a gente não possa encontrar, na fala das pessoas, uma queixa relacionada a isso, ou o relato de um sofrimento ligado a esse tipo de sentimento. O fato de não ser uma doença classificada não significa que não mereça a nossa atenção, cuidado e entendimento.
E o fato de ser um sofrimento enraizado em questões culturais nos alerta para a necessidade de uma profunda mudança, incluindo de reparações históricas, para que possamos realmente fazer algo para que seja diminuído.