“As mulheres já não choram, as mulheres faturam.” A frase do hit de Shakira sobre a mudança na reação feminina à traição resume bem a realidade de mulheres como Camila Moura, que se divorciou do ex-BBB Lucas Buda durante o programa. Se antes a pressão social e outros fatores faziam com que as esposas tolerassem certas atitudes dentro do casamento, cada vez mais isso tem mudado, segundo especialistas.
A reação do público, no entanto, não foi unânime.
Há quem a critique por abandoná-lo em razão da repercussão negativa sobre a atuação dele no programa – e que acabou resultando na sua eliminação no paredão de terça-feira (9). Parte da indignação também tem a ver com o fato de que essa exposição toda sobre o divórcio rendeu a ela vários contratos com marcas e, por consequência, faturamento.
A divisão é reflexo sobre o que se pensa acerca do papel da mulher em contraste com avanços sociais recentes:
Para entender o movimento recente, é preciso compreender a visão social sobre a mulher, explica a psicóloga Valeska Zanello, referência em saúde mental da mulher.
Segundo ela, as mulheres têm a tendência de suportar relações mesmo sendo invalidadas, agredidas e violentadas de várias maneiras porque, ao longo dos anos, foram ensinadas que sua validação como pessoa na sociedade dependida de estarem em um relacionamento ou casamento. E que o fracasso das relações, era também o seu fracasso.
Esse papel social, no entanto, vem mudando ao longo dos anos. A antropóloga e pesquisadora sobre gênero Mirian Goldenberg explica que a entrada no mercado de trabalho e a presença nos espaços de poder deram às mulheres o direito de expressar a insatisfação com as relações.
No entanto, ela observa que essas transformações ainda enfrentam resistência.
E a situação não se restringe ao universo das anônimas. Famosas que puseram fim aos seus relacionamentos recentemente depois de traições não ficaram caladas.
A música em que Shakira descreve o fim de seu relacionamento com o jogador Piqué, também sob acusação de traição, foi um fenômeno e chegou as paradas mundiais. Em entrevista recente ao Fantástico, a cantora disse que chorou pelo fim do casamento, mas transformou a situação em trabalho e a letra da música virou um grito de guerra.
Além dela, outras famosas também expuseram o fim de suas relações, como Miley Cyrus. Na canção “Flowers”, lançada após o término de um relacionamento e que rendeu a ela um Grammy — um dos mais importantes prêmios da música, ela descreve uma relação que não dava a ela o suficiente.
A cantonara Preta Gil também rompeu estereótipos ao anunciar seu divórcio. Ela se separou durante o tratamento contra o câncer e contou ter descoberto a traição do marido durante sua luta contra a doença. (Veja o vídeo abaixo)
A traição é um ponto levantado pela antropóloga Mirian Goldenberg ao falar da ruptura de estereótipos. Ela analisa que, antes, ser traída era um estigma a ser carregado pela mulher, enquanto os homens não eram expostos. Esse cenário que já não é mais realidade.
💔 E não é só uma percepção, mas as mulheres estão se divorciando mais e mesmo em idade avançada. Segundo os dados mais recentes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), que são de 2022, a maior parte dos pedidos de divórcio não consensual foi feita pelas mulheres.
Dos 114 mil pedidos em 2022, mais de 68 mil foram feitos pelas mulheres. O IBGE não mapeia o pedido por gênero em todos os tipos de divórcio, apenas do considerado não consensual, em que o pedido é feito apenas por uma das partes.
Apesar do apoio que recebeu, Camila também foi alvo de hate — comentários raivosos nas redes sociais, com críticas — de quem a acusou de faturar com a separação. Assim como ela, famosas também foram alvo de críticas pela exposição.
O tipo de repercussão mostra que ainda há resistência à mudança do papel social da mulher sobre os relacionamentos. Para Goldenberg, isso é o reflexo dos valores sociais, que resistem mais tempo às mudanças.
Valeska pontua que, apesar dos avanços, é preciso separar o empoderamento feminino da emancipação da figura masculina.
O direito ao divórcio no Brasil tem menos de 50 anos, é de 1977. Naquele ano, a lei foi mudada aceitando a separação, mas com algumas regras, como provar um prazo de separação de fato, ou seja, de que não conviviam juntos. Isso obrigava o casal a seguir casado no papel ainda por alguns anos.
👉 Foi só em 2010 que uma alteração na lei passou a permitir que as pessoas pudessem se divorciar imediatamente. Apesar disso, na prática, o mais comum era sempre o juiz ouvir a outra parte.
A advogada Miriane Ferreira, especialista no atendimento à mulheres, explica que tem pouco menos de dez anos essa mudança de posicionamento que permite que o divórcio seja feito de forma unilateral, sem a concordância ou citação de ambos.
Foi o que aconteceu com Camila Moura. Durante o programa, sem que Buda soubesse, uma vez que estava confinado na casa do BBB, ela obteve o divórcio na Justiça.
📈 Segundo os dados mais recentes do IBGE, mais de 30% das separações foram feitas de maneira litigiosa no Brasil, Ou seja, não foram consensuais, sendo que a maioria foi por iniciativa das mulheres.
O número de divórcios também passou a aumentar depois da mudança das regras.
“Essa mudança foi importante do ponto de vista do direito das mulheres. Já foi muito mais difícil uma mulher conseguir sair de uma relação que ela não queria estar, mas hoje não mais”, explica Miriane.
Apesar dos avanços, ela ressalta que a decisão da separação unilateral ainda depende de manifestação judicial. Ou seja, a mulher precisa pedir à Justiça e aguardar o deferimento, que é feito pelo juiz. Segundo ela, ainda há juízes que se recusam a reconhecer o divórcio sem ouvir a outra parte devido a questões patrimoniais.