Com a idade, o corpo muda e os cuidados também. O aumento da sensibilidade e da lista de medicamentos torna os idosos mais suscetíveis a alguns riscos e, na hora de prescrever antibióticos, os médicos têm de ser bastante criteriosos – e os pacientes devem seguir a bula com rigor.
Os perigos estão associados à interação medicamentosa – quando um remédio afeta o efeito de outro ou sua combinação causa danos ao corpo – e à interferência de doenças preexistentes no tratamento, como insuficiência renal, problemas cardíacos, hipertensão e obesidade. Isso tudo pode afetar o combate aos quadros infecciosos e exigir um ajuste adequado de doses, segundo a Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI).
Por que idosos exigem mais cuidado?
Os idosos têm uma necessidade um pouco maior de usar antibióticos devido à vulnerabilidade aumentada para infecções. É mais comum que pessoas na terceira idade sejam acometidas por bactérias do trato respiratório ou infecções urinárias, por exemplo.
Por outro lado, é preciso ter cuidado com o uso abusivo. “Muitas vezes, são prescritos antibióticos nessa faixa etária desnecessariamente”, diz o infectologista Alexandre Cunha, consultor da SBI.
É importante não fazer um uso prolongado desses remédios, nem tomá-los quando não dá indicação, como em caso de infecção causada por vírus, como gripe. É a partir dos exageros ou indicações erradas que problemas podem acontecer.
1- Função dos rins e do fígado
Além disso, o mais velhos são mais sensíveis aos efeitos colaterais dos medicamentos. As razões para isso são diversas. Primeiro, é muito comum que o idoso tenha algum grau de disfunção renal, explica Cunha. “Mesmo que ele não tenha um problema renal em si e seja saudável, a própria idade acarreta um declínio da função renal naturalmente”, diz.
Segundo o médico, os componentes da maioria dos antibióticos são eliminados do organismo graças ao trabalho dos rins e, com o funcionamento renal mais lento, esses compostos podem demorar para ser removidos e se acumular no corpo, o que aumenta as chances de efeitos negativos.
O mesmo vale para o fígado, responsável por processar alguns medicamentos e sujeito a uma redução de função com o envelhecimento.
2- Dificuldade para engolir
Alguns idosos podem apresentar dificuldade para engolir comprimidos ou mastigar, o que acaba levando a família ou eles próprios a triturar os antibióticos para que sejam ingeridos. Mas há riscos. O médico geriatra Marco Túlio Cintra, diretor da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), alerta: nem todos os antibióticos podem ser triturados.
A prática pode reduzir a eficácia ou até levar a efeitos adversos. “Alguns antibióticos, como os que estão em cápsulas, não devem ser abertos ou manipulados dessa forma”, explica.
A bula geralmente traz essa recomendação, por isso é importante lê-la com atenção. Se o medicamento não puder ser manipulado e não houver outra forma de administração, o ideal é substitui-lo por outro de ação semelhante.
3- Distribuição do medicamento no corpo
À medida que envelhecemos, a quantidade total de água no corpo diminui e a proporção de tecido adiposo (gordura) aumenta, diz Felipe Vecchi, diretor da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia de São Paulo (SBGG-SP).
Com isso, medicamentos solúveis em gordura (lipossolúveis) podem ficar armazenados em grande quantidade no organismo, que também responde de uma forma diferente àqueles que se dissolvem em água (hidrossolúveis).
O geriatra explica que os medicamentos que se dissolvem em água tendem a circular entre os vasos sanguíneos e são excretados pelos rins. Já os lipossolúveis são liberados de forma gradual pela gordura e metabolizados especialmente no fígado. “Por isso, é preciso conhecer como está o funcionamento desses órgãos antes de recomendar uma dose, para evitar que o medicamento gere uma overdose ou intoxicação”, afirma.
Com menos água circulando, pode ocorrer um aumento na concentração da medicação hidrossolúvel no sangue, explica o médico. Isso, associado a uma função renal menos efetiva, pode fazer com que o medicamento recircule pelo corpo, intensificando os efeitos colaterais.
Já para os medicamentos lipossolúveis a lógica é um pouco diferente. Com mais gordura no organismo, há mais espaço para a medicação ser armazenada. “Isso faz com que a liberação seja mais lenta e prolongada, o que, se não for bem controlado, pode resultar em um acúmulo no organismo, aumentando o risco”, diz Vechhi.
Sérgio Colenci, geriatra do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, alerta para outra questão fisiológica: alterações no trato gastrointestinal relacionadas ao envelhecimento. Elas podem afetar a ação e a distribuição de um medicamento ingerido pelo idoso.
“A absorção dos medicamentos pode sofrer interferência por alterações como menor quantidade de suco gástrico, lentificação do trânsito intestinal e constipação”, exemplifica.
4- Interação medicamentosa
Por fim, como os idosos tendem a apresentar doenças crônicas e tomar mais medicamentos, eles também são mais propensos a interações medicamentosas e entre medicamento e doença.
Vale destacar, contudo, que os antibióticos não são considerados medicamentos potencialmente inapropriados (MPI) – substâncias habituais que podem afetar de forma negativa o quadro geral de idosos.
O que pode acontecer?
Um dos principais problemas de consumir antibióticos de forma indiscriminada é que o uso repetido ou incorreto pode tornar as bactérias mais resistentes, fazendo necessária a indicação de doses cada vez mais altas. “Dessa forma, quando essas pessoas tiverem realmente uma infecção mais ameaçadora à vida, as opções vão ser ineficientes”, diz Cunha.
Outras possíveis repercussões do uso incorreto são inflamação do fígado, piora da função renal e confusão mental. “De maneira geral, são efeitos no sistema nervoso central, digestivo, renal e cardiovascular. Mas as alterações variam de acordo com o tipo de antibiótico”, explica o médico.
Cuidados
Isso não significa que os antibióticos devem ser abandonados ou que necessariamente vão provocar efeitos negativos importantes. O alerta é para o ajuste das doses.
“É um risco dar doses muito altas de antibióticos – que um adulto jovem toleraria, mas o idoso pode não tolerar – porque podem levar à toxicidade (grande acúmulo de substâncias no organismo, de modo nocivo), principalmente devido à incapacidade de fazer plenamente a filtração com os rins”, diz o consultor da SBI.
Quando possível, o médico deve recomendar uma dosagem menor do medicamento ou considerar substituições. “Às vezes, a melhor dose é a padrão. Se for um idoso que tem alguma disfunção renal pequena, é melhor dar a dose normal, mesmo que signifique níveis um pouco maiores, porque uma dose muito baixa vai ser ineficaz contra a infecção e causar resistência da bactéria.”
Para o paciente, uma medida importante é sempre levar a lista de medicamentos que toma quando for se consultar. Assim, é possível verificar se há interação entre eles e os antibióticos ou mesmo um nível de toxicidade crítico.
Além disso, a recomendação é sempre consultar um médico e nunca tomar antibiótico por conta própria. Como destaca a SBI, diagnósticos precisos e análise do histórico clínico são indispensáveis para tratamentos seguros e eficazes.