Conquistar os “millennials” é um desafio mundial para os produtores de vinho. Primeiro, porque, de certa forma, os jovens são mais ligados em destilados e drinques. Há também a questão do poder aquisitivo, existe a turma que evita álcool, calorias e açúcar, mas há outra dificuldade: os enochatos. “A linguagem dos enochatos é complicada e precisa ser modernizada”, diz Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, associação que reúne os principais produtores portugueses de vinho.
Falcão explicou que essa atualização da linguagem não depende apenas de um país e precisa ser vista em termos internacionais: “Estamos articulando com outros países para simplificar a comunicação no mundo do vinho. Ela é um grande entrave e afasta os jovens, que não entendem tanta complicação”. A ViniPortugal é uma das organizadoras do evento Vinhos de Portugal, cuja décima primeira edição terminou ontem, no Pavilhão da Bienal, com recorde de público: 6 mil pessoas em São Paulo e 10 mil no Rio. O crescimento foi expressivo em relação à edição do ano passado, que recebeu 4 mil visitantes em sua versão paulistana e 7 mil na carioca.
O evento teve uma presença significativa de “millennials” — pessoas na faixa entre 30 e 40 anos — entre os produtores e enólogos portugueses. Todos ligados no desafio de trazer consumidores de sua faixa etária para os vinhos que produzem. “Nosso caminho tem sido buscar novas variedades, fazer vinhos mais frescos e menos alcoólicos”, conta João Roquette Álvares Ribeiro, de 37 anos, proprietário da Quinta do Vallado, no Douro, e herdeiro da nona geração de uma dinastia no mundo do vinho.
“Meu gosto pessoal é por vinhos mais leves. E te asseguro que, embora pareça pouco, um vinho com 13o. de álcool é muito diferente daquele que tem 15o. O corpo gosta mais”. Além dessa questão, para Ribeiro, o que traz mais o consumidor jovem para o vinho é o enoturismo, a possibilidade de ir ao lugar onde ele é produzido. A Vallado tem investido muito nesse segmento que já representa 30% do faturamento. “ Você pode até não gostar de vinho, mais vai gostar de um hotel de charme, da massagem e da piscina de borda infinita. O resto vem depois”.
Também visando jovens que preferem drinques, a Vallado investiu em novas embalagens coloridas e com imagens de frutas para o Porto branco, um vinho que misturado com água tônica e limão dá o Portonic, ideal para o verão.
Na prova sobre “Vinhos verdes, frescos e intensos”, um dos participantes foi o enólogo da Aveleda, Diogo Campilho. Ao final, disse ao Valor: “O pessoal mais jovem quer vinhos mais frescos, minerais e com menos calorias? Nós temos. São vinhos gastronômicos, com 10,3o ou 11o de álcool. Não faço vinhos para mim, acompanho a tendência do mercado e hoje as pessoas querem mais brancos e rosés”.
“Nos últimos dez anos o mercado tem mudado”, lembra Jorge Rosa Santos, que com o amigo Rui Lopes criou a marca Lés a Lés. A expressão tipicamente portuguesa significa de cabo a rabo, explicam os dois enólogos, de 42 anos, que produzem vinhos em todo o país buscando uvas quase desconhecidas em regiões pouco exploradas.
A dupla produz vinhos mais frescos, leves e de menor teor alcoólico utilizando vinhedos mais antigos, de raízes mais profundas, que sobrevivem melhor às alterações climáticas. Santos, que se define como um nômade do vinho, apenas chama atenção para um aspecto da discussão: “É importante não embarcar na onda do pensamento único, porque as tendências de mercado também podem ser uma forma de aniquilar a personalidade dos vinhos. Devemos lembrar que durante 30 anos o mundo seguiu a onda Robert Parker (crítico norte-americano), que preferia vinhos mais alcóolicos, pesados e com mais taninos. Agora vivemos o reverso”.
Vestido com uma camiseta onde se lia “Not a french copy” (não é uma cópia da França), o produtor Luís Pato circulou durante todos os dias do evento. “Penso por mim, não copio ninguém, nem francês nem australiano. Sabe por que? Sou contra o vinho de receita, defendo aquele que tem alma. Para isso é preciso pensar e fazer melhor e fazer além do que está escrito nos vinhos”.
Pato é conhecido como “o rebelde da Bairrada”, que divulgou no mundo a uva baga, nativa da região. Esse caminho fez com que seus espumantes e vinhos, que são trazidos aqui pela Mistral, frequentassem algumas das melhores mesas do mundo. “Veja que todos continuam copiando a França. O cabernet sauvignon virou uma commodity. Tem do Chile à China. Eu já tive, não nego, fazia para vender aos americanos, mas deixei de fazer há 20 anos”.
Hoje Pato é procurado por comerciantes da Malásia, da Coreia. “É o resultado de um trabalho de 40 anos”. É, justamente, esse trabalho de apresentar as castas portuguesas para o público brasileiro que ele valoriza no evento Vinhos de Portugal, do qual é participante veterano. “Eu era vice-presidente da ViniPortugal quando tudo começou. Sinto que, em parte, sou responsável pelo sucesso deste evento. Porque nesses anos, ele mudou completamente a ideia que os brasileiros tinham dos vinhos portugueses. Hoje, os brasileiros sabem o que as castas portuguesas têm de diferente e único. Esse foi nosso grande trabalho”.
O evento vem crescendo, evoluindo e se renovando a cada ano. Este ano, de olho no público mais jovem havia na área gratuita uma ativação dos vinhos da região de Lisboa com óculos de realidade virtual. Com eles, era como se você estivesse numa onda de Nazaré, a praia de Portugal que reúne surfistas do mundo todo em busca de ondas gigantes. A ideia era mostrar que os vinhos de Lisboa têm o frescor e a mineralidade que vem do Atlântico.
Outro ponto alto na edição paulistana foi a estreia no Pavilhão da Bienal, no Parque Ibirapuera, colocando de vez o evento no calendário cultural da cidade. Do lado de fora do prédio icônico projetado por Oscar Niemeyer, uma agradável área de convivência convidava para momentos de descontração com quitutes portugueses e vista para o parque.